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Entrevista com Ingrid Barcelos
O Portal IDeA conversou com Ingrid Barcelos sobre sua trajetória na ciência de ponta brasileira. Ingrid é bacharel e licenciada em física, com graduação, mestrado e doutorado pela UFMG. Seu trabalho de doutoramento ganhou o prêmio José Leite Lopes, da Sociedade Brasileira de Física, como melhor tese de 2015. Atualmente, Ingrid é pesquisadora-líder no Laboratório de Amostras Microscópicas da Divisão de Matéria Heterogênea e Hierárquica do Centro Nacional de Pequisa em Energia e Materiais (CNPEM) em Campinas, SP. Em 2021, Ingrid ganhou o Prêmio ‘Para Mulheres na Ciência’ realizado pela Unesco, L’Oreal e Acadêmia Brasileira de Ciências, na categoria Ciências Físicas.
Portal IDeA: Você tem um perfil atípico nas ciências exatas de ponta no Brasil. É mulher, preta e estudante de escola pública. Considerando esses fatores, como se deu sua trajetória dentro da física?
Ingrid Barcelos: Minha trajetória dentro da física, principalmente no começo, foi bem conturbada. Por vir de escola pública foram anos e anos correndo atrás de preencher a enorme lacuna de conhecimento, e acredite ou não, isso parece nunca ter fim. A sensação é de que sempre tem algo que todo mundo sabe mais do que você, porque no momento de aprender tal coisa você estava tentando aprender outra, e assim segue. Quanto à questão de gênero, a física é só mais um ambiente majoritariamente masculino e machista. Eu lembro que meus colegas faziam muitas piadinhas: “Ah, essas meninas aqui não vão durar dois semestres”! “Ah, mas se eu fosse mulher eu também tirava nota boa”. Entre outras coisas desagradáveis. A questão da cor é ainda mais simples, eu tive um professor negro em toda a minha graduação, tanto na licenciatura como no bacharelado, e uma professora branca. Todos os outros eram homens brancos. E lá estava eu: menina preta de periferia. A única certeza que eu tinha era de que eu não estava no lugar certo. E o sistema não faz absolutamente nada para que essa sensação desapareça.
Portal IDeA: Os dados do IDeA mostram que a desigualdade entre meninos e meninas em matemática aumenta conforme a escolaridade, com os meninos tomando a liderança. Na sua opinião, a que se deve essa desigualdade?
Ingrid Barcelos: Acredito que isso é uma soma de fatores. Primeiro, as meninas são desestimuladas desde muito cedo a se interessar e gostar de matemática por essas coisas estarem atribuídas a “coisa de menino”. Depois, a falta de referência, mesmo na escola os professores de matemática são homens. E por fim, vale a pena destacar que numa sociedade machista as meninas desde pequenas já sentem esse peso e por muitas vezes não se consideram e não são consideradas tão inteligentes quanto os meninos. A soma desses fatores e outros mais, faz com que essa diferença só aumente ao decorrer dos anos.
Portal IDeA: Como pesquisadora, você participa de eventos em outros países. Como você percebe o debate e a realidade de gênero e ciência em outras partes do mundo?
Ingrid Barcelos: São pouquíssimos os eventos que eu fui, internacionais e nacionais, que a questão de gênero esteve em pauta. Ainda me assusta que em algumas áreas todos os palestrantes sejam homens e ninguém ache isso minimamente estranho. Por outro lado, eu vejo algumas poucas mas efetivas iniciativas em alguns eventos que se preocupam em ter um número mínimo de mulheres convidadas/palestrantes. Acredito que essas iniciativas são de suma importância.
Portal IDeA: O Prêmio L’Oreal de Mulheres na Ciência é uma iniciativa para incentivar a participação feminina na área. Quais outras iniciativas você destacaria?
Ingrid Barcelos: Recentemente eu tenho visto alguns prêmios com o mesmo intuito do prêmio da L’Oreal, que é incentivar jovens cientistas e mais que isso dar para as premiadas uma visibilidade (ou tirá-las de uma condição de invisibilidade) que é extremamente importante em áreas em que as mulheres são sub-representadas. Destaco o prêmio Carol Nemes que reconhece mulheres físicas em início de carreira, cujo trabalho de pesquisa tenha contribuído para o avanço da Física ou do ensino.